BR-319: repavimentação do Trecho do Meio e o discurso contraditório e omisso da ministra Marina Silva
Opinião Marcos Maurício
Quando se fala do licenciamento ambiental do Trecho do Meio da Rodovia BR-319 (Km 250,7 ao 656,4), nada mais me surpreende.
Ocorre que a entrevista da ministra Marina Silva, veiculada pela BandNews FM Difusora nesta última sexta-feira (14), precisa ser melhor “dissecada”.
Explico:
O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) por ela defendido na referida entrevista é uma exigência consolidada desde 2007, quando as pastas do Meio Ambiente e dos Transportes, por seus braços operacionais Ibama e Dnit, assinaram um Termo de Acordo e Compromisso reconhecendo que a obra de reconstrução do segmento rodoviário central da BR-319 é potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente.
Neste sentido, por força do art. 225, § 1, inciso IV da Constituição Federal, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) é obrigatório.
Ocorre que o referido EIA foi contratado pelo empreendedor (Dnit) e aprovado em julho de 2022, pelo Ibama, com a expedição da Licença Prévia (LP) nº 672/2022. Com isto, houve o reconhecimento da viabilidade ambiental do empreendimento.
Percebam que, desde o entendimento acerca da exigência do EIA, em 2007, até a sua aprovação, em 2022, passaram-se quinze (15) anos.
Notem que Marina Silva chegou a perguntar, em 2023, se queríamos a rodovia BR-319 só para passear de carro e que “não se rasga uma floresta com 400 quilômetros de estrada sem estar associada a um projeto produtivo”.
Frisa-se que, além do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) — e seu relatório (Rima) —, o Ministério dos Transportes, por meio do GT da BR-319, criado pela Portaria nº 1.109, de 16 de novembro de 2023, concluiu, em junho de 2024, que a repavimentação da Rodovia BR-319 é viável técnica e economicamente [1].
Exigências atuais e a Licença de Instalação (LI)
Em junho de 2024, o empreendedor (Dnit) submeteu ao Ibama o Plano Básico Ambiental (PBA) e o Relatório do Diagnóstico Socioambiental Participativo (DSAP), documentos estes que detalham como as condicionantes elencadas na Licença Prévia (LP) e os Programas Ambientais serão implantados. O licenciador (Ibama), segundo o Dnit, por meio do Ofício nº 398/2024/CGLIN/DILIC, informou que a análise do PBA e do DSAP somente será realizada quando todos os demais requisitos e condicionantes da LP forem atendidos e protocolados em conjunto [2].
É importante pontuar que as obras somente poderão iniciar a partir da expedição da Licença de Instalação (LI), a qual depende da aprovação do Plano Básico Ambiental (PBA).
A insistência na Avaliação Ambiental Estratégica (AAE)
Observem que a ministra Marina Silva, a despeito de já se ter o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) aprovado pela lente da Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) — com todas as condicionantes detalhadas na Licença Prévia (LP) —, insiste na realização da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), um rito diferente, muito mais elástico, e com diretrizes distintas daquelas exigidas pelo próprio ente licenciador (Ibama) e seguida pelo empreendedor (Dnit).
Ressalta-se que, em julho deste ano (2025), tanto Marina Silva, da pasta do Meio Ambiente, quanto Renan Filho, dos Transportes, vieram a público anunciar um “entendimento” quanto à realização da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE).
Muitos – inclusive alguns que defendem a repavimentação da rodovia BR-319 – comemoraram o “acordo” que destravaria as obras de reconstrução do Trecho do Meio da rodovia. Engano dos desavisados. A estratégia para inviabilizar e sepultar de vez a repavimentação dos 405 quilômetros do Trecho do Meio não mais escondia a sua real face.
Mudança da lente de análise e da Área de Influência Direta (AID)
Em 20 de agosto de 2025, foi publicada a Portaria CC/PR-MMA Nº 727, de 19/8/2025, que definia, consoante art. 1, § único, incisos I, II e III, entre outros, a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) da área de influência da BR-319 e a elaboração de uma governança socioambiental de longo prazo na região do entorno da BR-319, compreendida a faixa de cinquenta quilômetros para cada lado da rodovia.
Na prática, a referida portaria, além de alterar a lente de análise – de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) para Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) – alterou a Área de Influência Direta (AID) para 50 quilômetros de cada lado da rodovia.
Para se ter uma ideia, a AID do meio biótico descrita no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) é de 5 quilômetros para cada lado. Alertei, inclusive, em postagens que fiz na minha rede social, que o resultado seria o cancelamento do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) já aprovado e, consequentemente, voltaríamos à estaca zero.
Ajuste discursivo e a omissão de fatos
Mas a estratégia discursiva de Marina Silva evidencia, agora, um sutil ajuste de rumo. Ela defende a realização do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) como se ele não existisse.
Além de perguntar se queremos a rodovia só para passear de carro, fala que “não se rasga 400 quilômetros de floresta para construir uma estrada sem que esteja associada a um projeto produtivo”. Omite, contudo, que a rodovia já existe e que está trafegável – mesmo durante o Inverno Amazônico, período de elevado índice pluviométrico na região – durante todo o ano.
Transcrevo três trechos de um artigo de opinião do colega professor Eron Bezerra [3], com o título “BR-319 e o Santuarismo”, publicado em 2009 (há 16 anos):
A primeira exigência do Meio Ambiente, ainda na gestão de Marina Silva, foi a elaboração do estudo de impacto ambiental. A Universidade Federal do Amazonas (Ufam) liderou um consórcio de estudiosos e apresentou um substancial relatório sustentando a viabilidade técnica do empreendimento. A exigência foi rigorosamente cumprida. Mas a licença não apareceu.
Depois de dezenas de exigências desconexas e sem clareza de propósitos, o meio ambiente já sob o comando de Carlos Minc exigiu, como compensação pelos eventuais impactos ambientais, a construção de mais de uma dezena de unidades de conservação ao longo da dita rodovia. Novos estudos, novas despesas, exigência cumprida. Mas a licença novamente não apareceu.
A cada exigência atendida surge outra de conteúdo semelhante, até se esgotarem todas as exigências técnicas. A partir daí, os questionamentos assumem conotação abertamente ideológica, como a recente declaração do ministro Carlos Minc de que não concederá licença ambiental para a recuperação da BR-319.
Marina Silva volta a falar da cooperação com universidades federais para o caso da BR-319, mas omite o que ocorreu no passado, mencionado pelo colega professor Eron Bezerra.
Marina Silva ajusta o discurso, porém, omite as consequências decorrentes da mudança nas lentes de avaliação – de AIA para AAE – que resultará no cancelamento do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) já aprovado, considerando a diferença de rito/procedimento e de parâmetros como as Áreas de Influência Direta (AID), por exemplo.
Marina Silva diz na entrevista que é fundamental que se estabeleça o processo de licenciamento ambiental com o EIA-RIMA, entretanto, repita-se, omite que o estudo já existe e que foi aprovado em 2022.
Marina Silva diz que o governo anterior “passou por cima das condicionantes estabelecidas”. Ocorre que a expedição da Licença Prévia (LP) é uma consequência da aprovação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA). A fase seguinte é a elaboração do Plano Básico Ambiental (PBA), que vai detalhar como as condicionantes listadas serão implantadas, e do Relatório do Diagnóstico Socioambiental Participativo (DSAP), que detalha como os Programas Ambientais serão implantados. É condição, inclusive, para a expedição da Licença de Instalação (LI). E sem esta, as obras não podem iniciar.
Conclusão
Portanto, o cenário é inverso. Ou seja, o Dnit, atualmente, está tendo dificuldades para implantar condicionantes exigidas na Licença Prévia, a qual foi emitida no governo anterior.
Com esse ajuste sutil de discurso, Marina Silva ganha tempo, já que a Licença Prévia (LP) tem validade de 5 (cinco) anos, prazo máximo. E com a alteração na forma de análise (de AIA para AAE), somada às mudanças de diretrizes das Áreas de Influência Direta (AID), será necessário iniciar um novo Estudo de Impacto Ambiental (EIA).
Marina Silva não fala isto diretamente. Porém, as consequências de sua fala levam a esta conclusão, e me leva a crer que não veremos asfalto no Trecho do Meio da Rodovia BR-319 nos próximos 15 (quinze) anos, pelo menos.
O autor é professor universitário, advogado e engenheiro civi Dr. Marcos Maurício Costa
