7 de setembro: um dia que entrou para a História. Leia e conheça.

Como se comemorava então os dias de festejo
nacional na Corte, a capital do Império? Havia comemorações oficiais: uma
grande parada das Forças Armadas (Exército, milícias e, depois de 1831, Guarda
Nacional); um Te Deum (ofício religioso de ação de graças) na capela imperial;
um cortejo e beija-mão no Paço da cidade. À noite, os habitantes costumavam
iluminar as janelas das suas casas com velas ou lâmpadas de azeite, enquanto o
imperador e boa parte da sociedade assistia a um espetáculo de gala em um dos
teatros da cidade. O espetáculo sempre começava logo após a chegada do
imperador e da imperatriz, saudados pela orquestra ou a companhia que tocava ou
cantava o Hino da Independência ou o Hino Nacional, que tinha uma letra
diferente da atual e nem sempre cantada nos eventos. Durante a parada e no
início do espetáculo, dava-se vivas à Independência e ao monarca e, no teatro,
poetas liam sonetos e outros versos comemorativos do dia durante os intervalos.
Estes festejos tinham fins políticos específicos.
A parada mostrava o poder do Estado e arregimentava publicamente os cidadãos
alistados na Guarda Nacional (composta de homens cuja renda alcançava a mínima
requerida pela Constituição para o exercício da cidadania). No Te Deum, dava-se
graças ao Todo-pode-roso. No cortejo, o corpo diplomático, as altas autoridades
e boa parte da elite cumprimentavam o imperador e, ao beijar-lhe a mão (antigo
costume português), mostravam seu respeito e reverência. No teatro, o imperador
e a elite aproximavam-se, unidos no patriotismo. Os elogios reiteravam esta
interpretação: Pedro I, segundo José Pedro Fernandes, um dos poetas “oficiais”
do Primeiro Reinado:
“Fez abrolhar no solo BrasileiroTodos os dons, os elementos todos
Da glória, do Heroísmo, e da Fortuna”
O aparente consenso em torno das duas datas de
festejo nacional foi rompido em 1830 pela atuação dos Moderados e dos Exaltados,
os grupos de liberais que contestavam as tendências cada vez mais autoritárias
do imperador. Como parte da sua campanha, eles organizaram uma comemoração do
Sete de Setembro na Praça da Constituição, atual Praça Tiradentes, no Rio de
Janeiro, “onde um luzido e numerosíssimo concurso de homens, e senhoras se
detiveram desde o anoitecer do dia 7 até a madrugada do dia seguinte”. Ao
insistir que Pedro havia meramente seguido os desejos de todos os brasileiros
no Grito do Ipiranga, e, portanto, “tornou-se digno de reinar sobre os
brasileiros”, a retórica deste festejo oposicionista contestou a interpretação
oficial da Independência. Depois da abdicação de d. Pedro I, em 7 de abril de
1831, com os Moderados assolados pela ameaça da violência popular que tomava as
ruas do Rio de Janeiro, a Regência – que assumiu o poder em nome de d. Pedro
II, então com cinco anos – se esforçou para manter as comemorações sob
controle. Limitavam-se os ritos oficiais, e Evaristo da Veiga, o porta-voz dos
Moderados, recomendou que “todos os Brasileiros que amam a pátria, sejam quais
forem os seus princípios políticos” se abraçassem no Sete de Setembro. Não foi
tão fácil manter a ordem, e durante estes anos conturbados as autoridades
reclamavam da atuação dos “agitadores” que provocavam violência contra –
portugueses ou adversários políticos. A morte de d. Pedro I, em 1834, tirou-o
do cenário político e possibilitou seu retorno ao centro das comemorações como
o fundador do Império, o príncipe liberal que deu os primeiros passos para a
liberdade da nação.
Em 1854, durante o auge do Império, começou a
campanha para o monumento a d. PedroI fundido na França e inaugurado com muita
pompa no dia 30 de março de 1862, na Praça da Constituição, a estátua equestre
comemorava tanto a proclamação da Independência como a Constituição, outorgada
pelo imperador em 1824. Liderada por um grupo de homens intimamente associados
a d. Pedro II e ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), a
campanha fazia parte dos esforços do Instituto no sentido de criar uma história
oficial do Império.
Um ano após o começo da campanha da estátua,
fundou-se a Sociedade Ipiranga na cidade do Rio de Janeiro para “arrancar da
indiferença o aniversário da nossa emancipação política”. Contando com a
participação de alguns dos homens envolvidos na campanha do monumento, a nova
sociedade convidou os habitantes a restaurar o costume antigo de iluminar
janelas e contratou bandas de música para tocar na Praça da Constituição, no
lugar onde se erigiria o monumento. Logo surgiram outras sociedades patrióticas
que, como a Ipiranga, financiaram fogos de artifício, construíram monumentos
efêmeros e, durante alguns anos, libertavam escravos para comemorar o Sete de
Setembro. A imprensa concordou que elas transformaram as comemorações. Um
jornal descreveu “três noites de iluminação, salvas, girândolas e foguetes a
mais não poder, músicas em coretos e pelas ruas, jantares e
reuniões patrióticas”. Em 1859, “milhares de cidadãos de todas as classes
e posições” levantaram-se cedo “para saudarem o alvorecer do primeiro dia
nacional”. Na Praça da Constituição, uma sociedade havia mandado construir um
chafariz representando os quatro grandes rios do Brasil (o Amazonas, o Prata, o
Tocantins e o São Francisco), que sustentavam um busto de d. Pedro I, rodeado
por vinte colunas que representavam as províncias.
Os jornais enfatizavam que nestes festejos
“populares” não havia nenhum indício dos “anárquicos exageros de mal-entendido
patriotismo”, embora registrassem a prisão de capoeiras durante as
comemorações. A libertação de escravos pela Sociedade Ipiranga, realizada pela
primeira vez em 1856, foi recebida por alguns como “um pensamento muito nobre”,
mas neste mesmo ano corriam boatos “pelas classes ínfimas” que todos os
escravos iam “ficar forros nesse dia”. Era perigoso demais ligar o patriotismo
à libertação de escravos, e apenas poucos foram alforriados nas comemorações da
segunda metade da década. Só na década de 1880, em plena campanha
abolicionista, a libertação de escravos se tornaria um ato patriótico comum no
Sete de Setembro.
A onda de entusiasmo patriótico diminuiu tão
rápido quanto surgiu. “Triste, desanimado, desceu ao abismo do passado o
primeiro dia brasileiro” em 1862, ano da inauguração da estátua. D. Pedro II
também reparou a “frieza” das comemorações deste ano, “atento o entusiasmo de
há poucos anos”. Já na época da Guerra do Paraguai (1864-1870), os “ruidosos
festejos” eram considerados uma coisa do passado.
Todavia, a forma das comemorações mantinha-se
inalterada, como demonstra uma crônica em quadrinhos de 1883. Acordado de
madrugada pelas salvas de artilharia, o caricaturista explicou que não
pertencia à alta sociedade e, portanto, não foi ao Paço para assistir ao
cortejo. Na Praça da Constituição, viu a estátua equestre de d. Pedro I
embandeirada e os dois coretos construídos na forma de castelos. Grupos de
“brava gente brasileira” se reuniam na praça, onde um poeta animado recitava
versos patrióticos.
Nas décadas de 1870 e 1880, a Sociedade
Comemorativa da Independência do Império coordenava esses festejos, pagava as
bandas, e organizava uma vigília de 24 horas durante as quais o monumento
estava iluminado. Em 1883, “uma formidável massa enchia a praça”, mas Cari von
Koseritz, um viajante alemão, “não compreendeu realmente o que toda essa gente
fazia ali, pois além da iluminação não havia absolutamente nada a não ser a
música”.
Cada vez mais, o monumento tornou-se o símbolo de
um regime a ser criticado. As charges publicadas nos jornais ilustrados da
capital no dia Sete de Setembro chamavam atenção para as falhas do regime
imperial. Mesmo a estátua parecia cansada da retórica oficial das comemorações.
Em 1888, segundo Raul Pompéia, houve pouca animação. O “louvável empenho dos
festejadores” da Sociedade Comemorativa não inspirou a população; apenas um
punhado de “curiosos” se levantou cedo para ver a alvorada no morro de Santo
António e poucos foram “suar a canícula no saguão do Paço” para assistir ao
cortejo.
À medida que o Império entrava em decadência,
também decaía o ritual cívico associado a ele. Já na época da inauguração da
estátua equestre, liberais radicais contestavam a história oficial da
Independência, que destacava o papel do primeiro imperador. Teófilo Otoni,
líder da ala radical do Partido Liberal, publicamente recusou participar da
inauguração, pois a estátua representava a Independência como “uma doação do
monarca”. Ao contrário disso, Otoni traçou uma história da Independência que
passava pela Inconfidência Mineira, o suplício de Tiradentes, e a revolta republicana
de Pernambuco em 1817. O imperador meramente respondia ao desejo dos
brasileiros pela Independência e, depois, traiu a nação quando fechou a
Assembleia Constituinte em 1823. Depois da Guerra do Paraguai, republicanos
levaram adiante este argumento. Em vez de conquistar a liberdade no dia Sete de
Setembro, lamentou um jornal em 1882, os brasileiros ficaram sob “o odioso
poderio da família brangantina” que tramou um bem-sucedido “apartamento de
bens” em 1822. Rejeitou, com algum exagero, a “pompa faraônica” do dia Sete e
argumentou que uma comemoração digna da Independência seria a construção de
escolas, fábricas e museus. Não foi por acaso que, para os republicanos,
Tiradentes tornou-se símbolo predileto; em 1890, a Praça da Constituição mudou
de nome para homenagear o inconfidente, com alguns dos mais exaltados exigindo
a remoção da estátua equestre de d. Pedro.
Nas páginas dos jornais e nas ruas da capital do Império, no dia Sete de
Setembro, brasileiros discutiam o significado da Independência. Os festejos
tornaram-se um espaço político onde se lutava pelas interpretações do passado
para influenciar o rumo futuro do Estado e da nação. Todos (menos os escravos
e, em determinadas épocas, os naturais de Portugal) eram brasileiros e
comemoravam a Independência, mas ainda se discutia o significado tanto de ser
brasileiro como o da própria Independência.Fonte: http://historiablog.org/2009/09/04/7-de-setembro-um-dia-que-entrou-para-a-historia/